ESCOLA E DEMOCRACIA
Saviani inicia seu
livro listando questões de dois grupos um tanto antagônicos.
O grupo das teorias não
críticas, denominada como a pedagogia tradicional, pedagogia nova e
a pedagogia tecnicista, que acredita que a educação é a panaceia
capaz de acabar com a marginalidade da sociedade. O grupo das Teorias
Crítico-Reprodutivistas subdivididas em Teoria de Sistema enquanto
Violência Simbólica, Teoria da Escola Enquanto Aparelho Ideológico
do Estado (AIE) e Teoria da Escola Dualista, que opostamente acredita
que a educação surge como fator agravante, por meio da
discriminação e culpada pela marginalidade. Por fim, sugere uma
Teoria Crítica da Educação. Saviani salienta que o grupo das
teorias não – críticas e das teorias crítico -reprodutivistas
esclarecem a marginalização na forma da integração entre
sociedade e educação.
A escola tradicional e
a escola nova são terrivelmente criticadas, e seu insucesso por
volta das décadas de 60 e 70, salientadas por Saviani é simples de
esclarecer. As teorias tradicionais e novistas centralizadas no aluno
ou no professor como responsáveis principais pelo ensino aprendizado
eram imperfeitas. Ambos não possuíam, separadamente, este poder de
criar o ensino–aprendizado. Hoje sabemos que o papel do educador é
criar motivação e transmitir metodologia de busca e adquirir
conhecimento, com participação ativa do aluno, que na época era
tido como ser passivo diante do fenômeno ensino aprendizagem.
Naquela época, os professores se detinham em explicações
melancólicas para o coletivo. “Quem entendeu, entendeu, quem não
entendeu, ficou reprovado…”
Nas teorias descritas
acima, concordamos que esta educação teve grande influência para a
reprovação e abandono escolar, mas jamais, como fator principal
gerador de marginalidade.
Saviani verifica
algumas características das teorias educacionais, garante que a
teoria tradicional aparece historicamente com o interesse de superar
o Antigo Regime, calcado nas conquistas da Revolução Francesa, que
propõe que o ensino seja universalizado para tirar cada indivíduo
da condição inferior de submetidos e transformá-los em cidadãos
esclarecidos. Nesse caso, a marginalidade é vista como um fenômeno
que provém do déficit intelectual que ocorre pela falta de
instrução. A escola seria a panaceia para este problema, no mesmo
tempo em que se divulga um ensino centralizado em volta da figura do
professor. Os alunos deviam aprender sua lição com atenção e
disciplina, dirigidas pelo mestre-escola, cabendo ao aluno aprender.
Aos poucos, essa teoria
foi caindo em descrédito por causa das dificuldades de acesso de
todos à escola e também devido ao fracasso escolar, mesmo para
aqueles que conseguiam ingressar na instituição escolar.
A Pedagogia Nova
aparece como uma maneira de resolver os problemas criados pela
Pedagogia Tradicional. Vê o marginalizado como alguém que foi
rejeitado pelo sistema escolar e pela sociedade, e não como um
ignorante. A escola deve reintegrar o aluno ao grupo, transformando-o
como centro do processo ensino-aprendizagem, e deve o estimular para
participar de um ambiente alegre e criativo, porém, acreditamos que
a educação não deve ser centrada no professor, e menos ainda, no
aluno.
A proposta da escola
nova ajuda para degradar o nível da aprendizagem e do ensino, pois
tirou o professor do centro do processo de ensino aprendizagem, que
sabia, e jogou para o aluno, que não tinha condições de adquirir o
saber.
Nasce então a
pedagogia tecnicista. Nesta, marginalizado é o incompetente e não o
ignorante, ele é o ineficiente e improdutivo, ou seja, a educação
contribuirá para superar o problema da marginalidade formando
indivíduos eficientes, que sejam capazes de contribuir para o
aumento da produtividade da sociedade.
Enfim, para a pedagogia
tradicional o importante era aprender, para a pedagogia nova aprender
a aprender e para a pedagogia tecnicista, o importante era aprender a
fazer.
As características da
democracia atual com suas classes dominantes e dominadas mostra a
escola como Aparelho Ideológico do Estado. Apesar das lutas destas
classes, as chances de vitórias são irrisórias. A dominação da
burguesia, por meio daqueles que alcançaram algum sucesso e
preenchem posições altas, tem fortes instrumentos para repreender
eventuais e tímidos protestos da classe dominada. Neste sentido, a
marginalidade é a classe dominada, que sufocada pelo poder estatal
se limita a cumprir seu papel e obedecer a normas e leis vindas da
classe dominadora, que visam apenas manter seus interesses e o poder.
Uma característica do
capitalismo é a sua dualidade social, satirizadas em algumas
músicas: (porque o de cima sobe e o de baixo desce.. bom te bom,
bom, bom, bom, bom…). Os de baixo e os de cima, ricos e pobres,
dominadora e dominada, segundo Baudelot e Establet in Lécole
capitaliste em France (1971). A escola não foge a esta regra. A
escola da classe dominada intitulada de Escola Pública, e a Escola
Particular ou escola da burguesia, incluindo as Universidades.
Mais uma vez o
proletariado e a burguesia aparecem com fronteiras bem distintas.
Parece-nos que a ênfase desta dualidade é uma tendência primária
profissionalizante e a secundária superior. A primeira para os
filhos da classe mais pobres, impedida de ter acesso às escolas
superiores. A segunda para a classe burguesa, que pode chegar aos
níveis superiores e manter nas mãos o poder de sua beneficiada
classe. Este é o aparelho ideológico do Estado Capitalista, que
funciona em proveito da classe dominadora e contribui para dar
continuidade as relações sociais de produção capitalista. Dentro
de conceitos para esta escola defensora de interesses burgueses,
está o engrandecimento do intelecto e a desvalorização do trabalho
manual. Neste sentido, a escola surge como fator que marginaliza, e
não como fator de resolução como se propõe.
A escola com suas
pedagogias oscilam sendo que é um instrumento forte da classe
dominadora. Parece que a vara da curvatura, ora vicia dum lado e ora
vicia do outro.
No Brasil a escola nova
que sugere uma escola para todos e que aparenta ser um beneficio para
a classe proletária, na verdade era interesse comum. A burguesia
pensava que os dominados mais escolarizados conseguiriam escolher
melhor seus governantes, porém melhores sobre o ponto de vista
dominante. No entanto, o melhor de acordo com a ótica da classe
dominada não estava de acordo com o ideal da burguesia e na verdade
nunca estará. Fica compreendido que esta escola não está cumprindo
com a função, que é a de consolidar a burguesia.
Como pode ser visto, a
burguesia continua manipulando as ferramentas pedagógicas a fim de
manter sem mudança a balança social que está em desequilíbrio,
citando a classe capitalista em comentário gracejo de um texto
bíblico, segundo Saviani, pois levam ao pé da letra, utilizando um
texto fora do seu contexto, a parábola dos talentos: “ao que tem
se lhe dará e ao que não tem, até o pouco que tem lhe será
tirado”. Vemos que mesmo atualmente o Estado favorece com ajuda
financeira o ensino do primeiro grau, para que a classe do
proletariado possa aprender o mínimo para servir ao seu interesse,
pois uma classe sem escolaridade alguma mostra-se um tanto inútil
aos interesses de uma sociedade no nível atual de tecnologia.
Entretanto, o ensino de segundo grau já possui restrições de ajuda
financeira.
Em falar sobre a
Curvatura da Vara, parece que Saviani puxa de propósito a vara para
o lado oposto, na esperança desta vir para o centro, que não é nem
a escola tradicional nem a escola nova; mas a vara é um pouco
teimosa e se vicia na nova posição e nota-se que terá que ser com
muita cautela para trazê-la para o centro.
O objetivo principal de
Saviani é sacudir fortemente a máquina político-educacional,
chacoalhando as Curvaturas das Varas para encontrar seu equilíbrio
ideal.
Na educação o
objetivo é convencer, já na política o objetivo é vencer. Estas
são características que se opõe. Para esclarecer, o educando, ao
longo do processo pode ser convencido e aprenderá. Na política o
adversário precisa ser vencido e ainda assim, não ficará
convencido, continuará na oposição lutando contra o vencedor,
agora classe dominadora. Como podemos ver, educação e política são
práticas distintas e é preciso não confundi-las, o que poderia
terminar como o politicismo pedagógico ou pedagogismo político, o
que resultaria na escola a serviço da burguesia. No entanto, a
consequência não é a exclusão da política como prática
independente, elas são opostas, porém como o bem e o mal, o sim e o
não, o positivo e o negativo são inseparáveis eles também tem
forte relação. No entanto, como tratar destas coisas tão opostas?
Primeiramente, é necessário entender que uma não existe sem a
outra. Elas tem uma forte relação interna. Toda prática educativa
possui uma dimensão política e toda prática política possui uma
característica educativa. Percebe-se que a dimensão pedagógica na
política envolve a articulação, a aliança visando o combate as
oposições, o mesmo acontecendo na dimensão política na educação
com apropriação de instrumentos culturais aplicados na luta contra
as diferenças.
Neste caso, a educação
depende da política no sentido financeiro e a política depende da
educação para preparar seus indivíduos. O que acontece de fato é
que a educação é mais dependente da política do que esta da
educação. Na verdade, Saviani acerta em cheio, quando diz,
indiretamente, que política e educação são faces antagônicas da
mesma moeda que é a prática social.
Apesar de uma aparente
sujeição da educação à política, podemos conceituar a educação
como uma prática idealista e a política como uma prática realista,
mas que podem existir juntas sem conflitos, respeitando as
diferenças: ser idealista sonhando que a sociedade almejada é uma
realidade e ser realista buscando atingir o ideal sonhado. Insistindo
nas comparações podemos também dizer que a prática política se
apoia na verdade do poder e a prática da educação se apoia no
poder da verdade.
- SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. 33.ª ed. revisada. Campinas: Autores Associados, 2000.
Dermeval Saviani: vida e obra
Nasceu em
Santo Antônio de Posse –SP, em 03/02/44 (de direito, pois de
fato nasceu em 25/12/43). Filho de trabalhadores e neto de imigrantes
italianos. Concluiu o Curso primário, em 1954, em São Paulo e
em 1959, o Curso ginasial no Seminário Nossa Senhora da Conceição,
em Cuiabá.
Estudou no
Seminário maior de Aparecida, em SP, onde concluiu em 1962 o Curso
Colegial.Nesta época, devido à renúncia de Jânio Quadros em 1961
e com a mudança da forma de governo (de parlamentarismo para
presidencialismo) ocorreram várias mudanças na sociedade que
influenciaram também a Igreja, que neste contexto estava preocupada
com a transformação da estrutura social. Era o período da Igreja
Popular, que buscava a aproximação do povo com a religião. Saviani
fez parte do movimento JOC - juventude Operária Católica se
envolvendo com todas essas transformações que estavam acontecendo.
Continuou os
estudos de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
São Bento da PUC/SP, que era um reduto de estudantes burgueses.
Trabalhava, nesta época, no Banco Bandeirantes e concluiu seu curso
de Filosofia, em 1966, tendo vivenciado profundas mudanças na
sociedade, causadas pelo Golpe Militar em 1964.
Deixou o Banco e
foi lecionar Filosofia em escola pública. Por volta de 1966 passou a
trabalhar em um órgão da Secretaria de Educação de São Paulo. Em
1967 atuou como professor do Curso de Pedagogia da PUC/SP e ajudou a
criar os Cursos de Mestrado e Doutorado em Filosofia da Educação
nessa Instituição. Em 1970 foi lecionar na recém criada
Universidade Federal de São Carlos onde ajudou a implantar, em 1976
o Mestrado em Educação, em convênio com a Fundação Carlos
Chagas.
Concluiu em 1971
o Doutorado, na área de Ciências Humanas: Filosofia da Educação,
na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de São Bento, da
PUC/SP. Em 1978 retornou como professor da PUC/SP e ajudou a criar o
Doutorado em Educação nesta Instituição.
Em 1979 ajudou a
criar a ANDE – Associação Nacional de Educação. Foi o fundador
da ANPED e do CEDES.
Em 1986 concluiu
a Livre Docência na área de Ciências Humanas: História da
Educação na Faculdade de Educação da UNICAMP.
Em 1988
participou da elaboração de um anteprojeto da LDB - Lei de
Diretrizes e Bases da Educação. Em 1988 coordenou o programa de
pós-graduação da UNICAMP.
Já participou
de cerca de 80 bancas de Mestrado e Doutorado e teve mais de 60
orientandos, que defenderam teses de Mestrado e Doutorado. Atualmente
é professor na UNICAMP e também está envolvido com diversos
projetos educacionais e de pesquisa.
OBRAS
DE DERMEVAL SAVIANI
- Escola e Democracia, São Paulo: Cortez Autores Associados, 1986
- Educação - Do Senso Comum a Consciência Filosófica, São Paulo: Cortez Autores Associados, 1980.
- Ensino Público e Algumas Falas sobre Universidade, São Paulo: Cortez Autores Associados, 1985.
- Sobre a Concepção de Politécnica Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 1989
- A Pós-Graduação em Educação no Brasil, Florianópolis/São Paulo: UFSC/Cortez, 2002
- A Questão Pedagógica na Formação de Professores, Florianópolis: Endipe, 1996
- A Nova Lei da Educação-Trajetória, Limites e Perpectivas, Campinas: Autores Associados, 1999
- Pedagogia Histórico-Crítica, primeira aproximações, Campinas: Autores Associados, 2000
- Política e Educação no Brasil-O Papel do Congresso Nacional na Legislação do Ensino, São Paulo, Cortez, 1987
- Da Nova LDB ao Novo Plano Nacional de Educação-Por Uma Outra Política Educacional, Campinas, Autores Associados, 1998